A Chuva e o cão...
Colecionador > Parte 1
Sergio Valério
A chuva resolveu cair na cidade. Há
tempos ela era esperada e somente naquela tarde, reapareceu.
Lurdes estava sozinha em seu
apartamento. No computador lia as notícias de sempre:
- Guerras. Casos policiais. Resumos de
capítulos de novelas. Notícias de corrupção. Aquelas eternas manchetes...
Viúva de Gustavo, seu marido por vinte
anos, ela se fechara dentro de si mesma.
Seu apartamento se transformara em seu
mundo. Pequeno. Sem opções. Sem sonhos.
De repente, sua atenção se voltou para
o ruído que veio da rua, pois ouvira o que parecia ser um latido, ou melhor, um
uivo de cão. Ela se levantou e, pela janela, viu um cachorro que se escondia
embaixo de um carro.
Do terceiro andar em que estava, podia
ver claramente a cena. O cão parecia estar com dor, tentando alcançar a sua
pata traseira.
Ela, que nunca tivera um animal, sentiu
um impulso incontrolável de descer até onde estava o cão. Ela não conseguia
explicar o porquê, mas o fato é que a vontade a fez descer pelo elevador, sair
do prédio e ir até o animal.
A chuva caía forte e ela sentia a água
escorrer pelos seus cabelos, molhando o seu rosto e o seu corpo.
Lurdes agachou-se para ver o animal.
Ela percebeu que a pata do cão estava muito machucada. Talvez um carro o
tivesse atropelado.
Ela estendeu os seus braços até
alcançar o animal. Ele hesitou por alguns segundos, mas vencendo todo o seu
medo, entregou-se aos braços da mulher.
Lurdes subiu com ele pelo elevador.
Minutos depois o levava para uma clínica veterinária.
Acompanhando os cuidados que a médica
veterinária quanto à pata do cão, Lurdes, como por encanto, abriu um sorriso.
Um que há muito tempo não oferecia ao mundo.
Era o retorno à Vida. Seus olhos
brilhavam como no tempo em que era uma menina.
Um animal tem o poder de nos
transformar.
Lurdes, naquele momento, descobria esta
verdade.