Preta
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Sergio Valério
Eu estava muito
feliz, pois levava em meu corpo meus filhotes que em breve iriam nascer.
Ser uma cachorra que mora na
rua com certeza não é ter uma vida muito boa, mas as pessoas que moravam nas
casas perto de onde eu costumava ficar gostavam muito de mim e cuidavam para
que a minha vida fosse mais leve. Eu não
sabia o que era ter um único dono, ter uma casinha para ficar ao abrigo do sol
e da chuva, mas me sentia reconfortada por perceber que tantas pessoas se
preocupavam comigo.
Essa é uma atitude
muito bonita de alguns seres humanos! Eles não conseguem levar todos os animais
de rua que encontram para as suas casas, mas cuidam deles dando-lhes o apoio que
necessitam para uma vida menos dura e mais digna.
Naquele dia
especialmente eu estava muito contente! Muitas das pessoas que cuidavam de mim
na rua já sabiam que eu estava grávida e todos os dias vinham me ver!
Eu recebia além da
alimentação, muito carinho! Jamais vou esquecer o olhar de uma senhora de
cabelos brancos que passou a mão na minha cabeça e mexeu os lábios como se
dissesse: -Preta, você está linda hoje!
Sim, o meu nome é
Preta. Sou uma vira-lata como tantas que existem por aí. Nós que não fomos
castradas, volta e meia encontramos um vira-lata e multiplicamos nossa vida em
outras tantas em forma de cachorrinhos que irão também morar nas ruas.
Eu me lembro muito bem
do que aconteceu logo depois daquela senhora passar a mão na minha cabeça. Chegaram
alguns rapazes e também brincaram comigo. Eles riam muito, deviam estar alegres
por alguma razão que jamais ficarei sabendo.
Eles se aproximaram de
mim e amarraram alguma coisa no meu pescoço.
Eu até pensei: -Será
que eles vão me adotar? Será que finalmente eu terei uma casa? Fiquei tão feliz
que lati muitas vezes e até lambi a mão de um dos rapazes para agradecer.
Só não consegui
entender muito bem quando, ao invés de segurarem a corda e me levarem para a
sua casa, eles amarraram a corda no pára-choque do carro.
Eu sabia que carros
andam muito depressa! Eu não conseguiria acompanhar um carro! Foi tudo muito
rápido! Ouvi o barulho da chave dando a partida no carro e saindo em alta
velocidade. Bem que eu tentei no primeiro instante acompanhar o veículo, mas
não consegui...
Fui arrastada pelas
ruas e sentia que o meu corpo ia se perdendo pelas ruas e por onde ia passando,
deixava também meus filhotes que estavam por nascer.
Foi tudo o que eu
consegui ver, depois meus olhos se fecharam e acordei aqui, onde todos me
tratam muito bem e finalmente posso dizer que tenho um lar.
Aqui existe muita luz e
só pessoas do Bem. Animais e Seres Humanos se entendem e convivem em Paz.
Aliás, no lugar onde estou,
todos tem olhos maravilhosamente parecidos com os daquela senhora de cabelos
brancos que me acariciou parecendo dizer: -Preta, você está linda hoje!
O Fato:
Em Pelotas, no Rio Grande do Sul, no dia 9 de Abril de 2005, três
universitários amarraram Preta, uma vira-lata, ao pára-choque de um carro e a
arrastaram pelas ruas. Ela estava grávida e morreu.