A Janela
Colecionador > Página 6
						Sergio Valério
A televisão estava ligada na novela das nove, mas era como
						se nada estivesse diante dos olhos de Rosa.
Ela simplesmente estava ali, sentada no sofá,
						sem se interessar por mais nada que não fosse a imensa tristeza dentro do seu
						coração.
Aos 70 anos, Rosa havia perdido o seu marido.
						Agenor havia sido o seu parceiro de vida por 52 maravilhosos anos e ele já não
						estava mais neste plano de vida.
Seu único filho também havia partido quando
						tinha apenas 18 anos de idade e a partir dali, o casal se dedicou única e
						exclusivamente à difícil missão de se consolarem mutuamente pela perda do filho
						e tocarem suas vidas.
Agora tudo parecia inútil para Rosa. Viver para
						que? Ela se perguntava a cada instante...
A janela estava entreaberta e dela vinha um
						vento frio da noite que começava a chegar em São Paulo. O antigo prédio que
						Rosa morava possuía 12 andares e de seu apartamento no último andar era
						possível ver o Edifício Itália, na Avenida São Luis.
Rosa olhou para a janela e de repente, se
						levantou do sofá, desligou a televisão e respirou fundo.
Lentamente, Rosa se dirigiu até a janela. Ela e
						o marido jamais cogitaram colocar grades, talvez por ser o último andar do
						prédio e isso acabasse por dar uma maior segurança ao casal.
Rosa estava decidida. Não queria mais viver
						desta forma, sem motivação para a vida. Ela abriu toda a janela e colocou a
						perna direita para fora. O vento batia forte em seu rosto quando ela também
						colocou a perna esquerda para fora da janela. 
Em segundos, Rosa viu toda a sua vida passar em
						sua frente, o casamento, o nascimento do filho, as perdas e a dor. Quando ela
						ia soltar os seus braços e se deixar cair, uma buzina insistente chamou a sua
						atenção...
Rosa olhou para baixo e viu um cachorro que
						estava  no meio da rua.
Os carros buzinavam, mas o cachorro não parecia
						querer sair do asfalto ou simplesmente, não sabia o que fazer diante daquela
						situação.
Rosa não conseguia tirar os olhos do cachorro,
						era questão de segundos ou minutos para que aquele cachorro fosse atropelado.
Foi aí então que dentro do coração de Rosa, a
						vontade de salvar aquele cachorro se tornou incontrolável. Com muito cuidado,
						ela colocou suas pernas para dentro e foi em direção à porta, com a respiração
						ofegante.
Rosa chegou até o elevador e só foi o tempo de
						chegar até o térreo, para ela sair correndo até a rua.
O cachorro ainda estava lá e Rosa nem pensou em
						olhar para os lados para ver se vinha algum carro, ela foi até o cachorro,
						segurou-o nos braços e o trouxe de volta até a calçada.
Ajoelhada na calçada, chorando, Rosa abraçava o
						cachorro e sentia a chama da Vida voltar em seu peito.
Ainda havia uma razão para tudo.
O trânsito na rua voltou a sua intensa
						realidade e uma frase parecia pairar no ar, dita por alguém lá de cima:
-Sempre existe um motivo para viver!