O Cachorro e o Afinador
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Sergio Valério
Hoje vamos
contar a história de Sol, um vira-lata e Gabriel, um afinador de pianos.
Em um velho
sobrado Gabriel morava e lá mesmo recebia os telefonemas para que fosse até às
casas afinar os pianos.
No sobrado
morava com Gabriel, o seu cachorro Sol. Não é preciso nem dizer que o nome
escolhido foi por causa de uma das notas musicais.
Gabriel adorava
música e seu sonho de se transformar em um concertista teve que ser abandonado
por causa das dificuldades em conseguir espaço em sua carreira artística.
Ele passou então
a afinar pianos, mas fazia isso com imenso prazer, afinal de contas, dessa
forma, ele podia estar ao lado do seu instrumento musical preferido.
Quando não havia
clientes para atender, Gabriel sentava-se no banquinho e tocava ao piano, suas
melodias favoritas.
Sol sentava-se
ao lado e parecia também gostar muito de música. Cachorros latindo na rua,
aviões passando, nada tirava Sol do seu lugar. Ao lado dos pés de Gabriel, Sol
parecia curtir cada nota, cada acorde que se ouvia do piano.
Quando Gabriel
ia com a sua velha mala afinar pianos,
Sol ia atrás. Ele acompanhava o seu dono, como uma sombra acompanha o corpo.
Gabriel era
detalhista e queria deixar o piano da casa do cliente, super afinado. Aliás,
ele buscava sempre a perfeição em seu trabalho.
O afinadorl sabia
que poucas pessoas entenderiam se ele entrasse com o cachorro para dentro da
casa e por isso, para não criar um constrangimento para seu cliente, entrava
sozinho. Sol, ficava ali na calçada e parecia acompanhar de lá, o trabalho do
seu dono.
Cada nota
afinada parecia para o cachorro, talvez um carinho.
Era como se cada
nota ouvida, fosse um afago em sua cabeça, em sua pelagem.
Gabriel saía da
casa do cliente e Sol sempre o estava aguardando para que juntos voltassem para
o sobrado da Rua 7.
Um certo dia,
porém...Gabriel entrou na casa e já com os seus 73 anos de uma vida sofrida,
com muitas dificuldades, ele sofreu uma forte dor no peito.
Não houve tempo
para mais nada.
A ambulância foi
chamada e exatamente naquele instante uma carrocinha passou e levou Sol, antes que ele pudesse ver o seu dono
saindo da casa, já sem vida.
Ao chegar no
centro de controle de animais da cidade, Sol foi reconhecido por um amigo do
afinador que imediatamente o soltou.
Sol correu
muito. Atravessou a cidade como se pressentisse que alguma coisa estava errada.
Suas patas tocavam o asfalto quente, mas ele parecia não sentir nada.
A vontade de
voltar aonde o seu dono estava, era tão forte que ele passava por entre os
carros, como se não quisesse sair da linha reta que o levaria até Gabriel.
Chegando em
frente da casa, Sol parou e ali ficou.
Ele não ouvia
nenhum som, nenhuma nota vinha daquela casa, mas ele permanecia parado como se
fosse uma estátua.
As moscas
pousavam em seu pelo e ele permanecia quieto.
O silêncio doía
e Sol não conseguia entender o que estava acontecendo.
Um dia se
passou.
Dois dias se
foram e Sol não arredava as suas patas dali.
O dono da casa
onde Gabriel havia sofrido o infarto, no segundo dia notou que o cachorro do
afinador estava ali e percebeu tudo.
Ele se aproximou
de Sol e tentou lhe dizer:
-Cachorro, seu
dono morreu.Ele não está mais aqui. Não adianta você esperá-lo.
Vai embora,
cachorrinho...
As lágrimas
caíam dos olhos do homem que em vão, tentava explicar para Sol o que havia
acontecido com Gabriel, o afinador de pianos.
Meses se
passaram e Sol permanecia ali. O dono da casa trazia-lhe ração e água.
Os vizinhos
todos ficaram sabendo da história do vira-lata Sol e vinham brincar com ele.
O cachorro
jamais saiu de lá, enquanto viveu.
Dizem que morou
ali na calçada, em frente da casa, por dois anos e meio.
Sol esperou até
o fim dos seus dias, que Gabriel, o seu dono, saísse da casa e fosse com ele
para o velho sobrado.
Um dia, o
cachorro morreu. Muitos da vizinhança choraram.
Hoje, quando o
filho do dono da casa toca o piano que Gabriel fora afinar, muitos moradores
juram que vêem um raio de sol penetrar por entre as folhas e os galhos da
árvore que fica em frente da casa.
O raio de sol
toca a calçada exatamente no ponto onde o cachorro ficava.
Dizem que o Sol
que brilha na calçada não é o astro-rei e sim a alma de Sol, o cachorro que
insiste em querer permanecer ali na espera de que um dia, a porta da casa se
abra e de lá venha Gabriel, o afinador de pianos, seu dono e seu melhor amigo.