Filó e as águas de março
Colecionador > Parte 1
Sergio Valério
A chuva estava muito forte naquela quinta-feira, no final de tarde. Na pequena casa que ficava bem abaixo do nível da rua, a água começava a subir.
Jurema, no ônibus, estava preocupada demais, pois sabia que a irmã, Arlete, que cuidava de sua filha Aninha, de dois anos, sairia às 16 horas, pois precisava trabalhar.
Na casa, Aninha dormia no berço. O pai desaparecera antes do nascimento da filha e a mãe sustentava sozinha a casa com as três moradoras: Jurema, Aninha e Filó, a cachorrinha que se tornara membro da família.
No quintal, Filó estava agitada. Os relâmpagos e os trovões a deixavam inquieta. A água subia, a cada momento, alguns centímetros.
Jurema tentara ligar para a irmã para avisar que chegaria atrasada, para pedir que a aguardasse um pouco mais, mas o seu celular não estava com sinal.
Nos rádios e nas TVs, as reportagens se multiplicavam na cobertura daquela tarde em que a cidade já apresentava diversos pontos de alagamento.
Arlete, a irmã de Jurema, tentara ligar para Jurema às 16 horas, no horário em que precisava ir embora, mas como as linhas não funcionavam, acabou deixando um bilhete sobre a mesa:
- Ju, precisei ir, pois hoje não posso faltar. A Aninha passou bem o dia. Almoçou direitinho! Ligo para você, mais tarde! Beijos da sua irmã, Arlete!
O inevitável aconteceu. A água, que subia velozmente, invadiu a casa, entrando na sala e já se estendendo em direção ao quarto onde Aninha estava dormindo.
A natureza é implacável. Se deixamos que a nossa cidade se transformasse em um mar de asfalto, escondendo a terra que poderia sugar a água, agora o que nos resta é cobrar dos governos uma urgente solução...
Em questão de minutos a enxurrada tomou conta da casa! Filó latia desesperadamente, enquanto Aninha continuava a sonhar. A água já atingia os pés do berço!
Foi então que a cachorrinha, percebendo que ninguém notava o seu desepero, resolveu pular a cerca da casa, o que chamou a atenção de um homem que resolveu atravessar a rua para salvá-la. Quando ele a agarrou no colo para levá-la para um lugar seguro, a cachorrinha pulou novamente, agora em direção da casa!
O homem esbravejou: - Eu venho até aqui para salvá-la e você foge?!!!
A cachorrinha latia e correu para dentro da casa. O homem, que amava os animais, não a deixaria morrer de forma nenhuma. Seguiu-a para que pudesse retirá-la dali...
Aristeu, era esse o nome dele, seguiu Filó e acabou encontrando Aninha em seu berço que já estava quase que envolvido com as águas.
Foi assim que Aninha foi salva e meia hora depois já estava nos braços de sua mãe, Jurema que, chorando, abraçava a filha e a heroína Filó.