No Largo do Arouche
Colecionador > Parte 4
						Sergio Valério
As ruas da cidade
						estavam quase vazias naquele feriado em São Paulo e Flávio resolveu sair do seu
						apartamento. O sol ainda estava tímido naquela manhã e no Largo do Arouche
						algumas poucas pessoas passeavam com os seus animais de estimação.
Flávio sentou-se em um
						banco da praça e mergulhou nos caminhos do passado, refletindo sobre a sua
						vida. 
Até aquela data haviam
						sido quarenta e cinco anos sem muitos problemas, porém também sem muitas
						emoções. Ele se acostumara ao longo de sua vida a mantê-la sem grandes vôos,
						mais preso ao seu presente do que ousado com o seu futuro. Talvez por isso
						mesmo, os relacionamentos haviam sido tão superficiais, pelo fato dele jamais
						se atirar de corpo e alma ao amor.
Flávio ainda refletia quando,
						de repente, sentiu um frio em seu pé esquerdo. Se fosse um frio na espinha,
						poderia ser um pressentimento, mas era apenas um frio no pé. Ele olhou e o que
						viu? Um cachorrinho, simplesmente, fazendo xixi em seu pé. 
A primeira reação foi
						tentar ficar bravo com o cachorrinho, mas uma voz veio do seu lado direito: 
-Perdão! Tutu, não faça
						isso!
Era uma linda mulher
						que falava ao mesmo tempo com ele e com o cachorrinho que tranqüilamente
						completava as suas necessidades no pé esquerdo de Flávio. 
O interessante é que
						Flávio ao ouvir a voz e ver a moça, não retirou o seu pé de onde estava e
						parecia até não se importar com o xixi que continuava a jorrar.
A moça olhou para
						Flávio e disse:
-O senhor me desculpa?
						Eu me distraí e deixei o Tutu solto e veja o que ele foi fazer!!!
Os ônibus já começavam
						a passar com mais freqüência pelo Largo do Arouche. Na padaria, cafés e pães de
						queijo eram servidos, rapazes e moças malhavam na academia, folhas caíam das
						árvores e o imprevisível tomava conta daquele instante para transformar e
						oferecer um novo rumo para Flávio, Tutu e a bela moça de olhos verdes.
Flávio, enquanto
						conversava com Luisa (era este o nome da linda mulher), pensava com os seus
						botões sobre a frase que dizia a sua querida avó Donana: Os animais aproximam
						as pessoas e as fazem mais humanas. 
Flávio concordava
						plenamente e olhava ternamente para aquele cachorrinho, como se quisesse
						agradecer pelo seu ato.