Prof. Dr. Fabiano Montiani-Ferreira - Jornal Animal

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Prof. Dr. Fabiano Montiani-Ferreira

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PROJETO "ENTRE A VIDA E O VIDRO"
Como prevenir acidentes de aves que, ao não perceberem a existência de um vidro, chocam-se contra ele?

Saiba mais nesta entrevista sobre o tema com o Professor Doutor Fabiano Montiani-Ferreira, que ressalta a importante atuação da médica veterinária e Doutoranda Gabrielle Fornazari Gabrielle Adad Fornazari, a principal responsável pela condução do projeto no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da UFPR.

1. Como surgiu a ideia de criar o Projeto Entre a Vida e o Vidro?
R: A história é longa. Quando fui realizar o programa de PhD na Michigan State University, na cidade de East Lansing, MI no ano 2000, assim que cheguei, percebi que muitas casas tinham em suas janelas alguns adesivos escuros em formato de aves. Achei aquilo curioso, mas não dei muita atenção. Alguns meses depois entrei em uma loja especializada em ornitologia, com livros sobre o assunto, alimentos para aves, casas para aves para serem colocadas no jardim, binóculos e no meio disto tudo encontrei os tais adesivos para venda e li no verso da sua embalagem para que servia e com algumas instruções de colocação. Muitos anos depois minha sogra me relatou o problema de choque de aves em suas janelas e eu imediatamente lembrei daquela experiência. Bem, fizemos vários adesivos com papel adesivo escuro e resolvemos o problema. Naquele instante pensei que poderíamos ajudar muito mais aves se a informação fosse disseminada. Ao mesmo tempo nossa intenção é dar um tratamento científico ao tema, fazendo um levantamento dos locais onde os acidentes ocorrem e quais as espécies de aves que são mais vulneráveis. Por último, um estudo aprofundado está sendo realizado sobre as principais lesões encontradas nas aves mortas por este motivo.
 
2. Como prevenir o acidente de uma ave ir de encontro a um vidro de um edifício ou de uma casa?
R: Existem inúmeras maneiras de se prevenir tais acidentes. Quando bem implementadas apresentam eficácia semelhante. Dentre as formas mais comuns:
1)   Sempre que possível instalar e fechar cortinas e persianas atrás dos vidros, dando preferência a vidros escuros (fumês) pouco refletivos.
2)   Instalar comedouros e bebedouros de aves longe das janelas e outras estruturas de vidro.
3)   Adesivos ou pré-fabricados artesanais escuros. As diferentes formas dos adesivos não são tão importantes quanto a sua dimensão. O tamanho ideal sugerido para o adesivo é de 15 cm no seu maior diâmetro, com espaçamento de 40 cm entre um e o outro.
4)   Outra solução engenhosa e bastante interessante do ponto de vista estético que utiliza conceitos de oftalmologia veterinária seria de aplicar adesivos no vidro que refletissem luz ultravioleta (UV-A) em comprimentos de onda variando de 300-400 nanômetros. Trata-se de um espectro de luz que as aves enxergam, mas os seres humanos não, portanto o adesivo no vidro é quase imperceptível para nós. Comercialmente tais adesivos estão disponíveis no exterior (www.windowalert.com).
5)   Fitas adesivas coloridas e opacas ou translúcidas instaladas na superfície externa do vidro, com cerca de 10 cm de espaçamento. A fita translúcida da ABC (ABC BirdTape) é feita para durar mais no exterior (veja: www.birdsmartglass.org para mais informações).
6)   Emprego de redes ou cordas de náilon wind curtains (não transparentes) do lado de fora da janela, posicionadas 8 a 10 cm na frente da superfície do vidro. Ver https://www.birdsavers.com/ para mais informações.
7)   Pintar a parte externa dos vidros. Uma sugestão seria empregar tinta guache têmpera. Esta tinta é atóxica, durável (mesmo com um pouco de chuva), no entanto, sai fácil lavando com água e sabão com um pano.
8)   Modernamente arquitetos e engenheiros começaram a projetar as construções tentando evitar as colisões das aves nos vidros (como o “Bird-friendly building  design” - https://abcbirds.org/wp-content/uploads/2015/04/Bird-friendly_Building_Guide_WEB.pdf).

3. Existe um tipo de vidro que possibilite que as aves consigam identificar que não é um espaço que possam entrar?
R: Sim, existe uma empresa no exterior que desenvolveu vidros que refletem a luz ultravioleta. A empresa se chama Ornilux (http://www.ornilux.com) fabrica um vidro especial que apresenta no interior do vidro um material que reflete luz ultravioleta num padrão que remete a teias de aranha, fazendo com que as aves identifiquem mais facilmente o vidro como uma barreira. Na natureza as teias de aranha têm a capacidade de refletir a luz ultravioleta. Por este motivo as aves raramente passam por entre as teias. Por este motivo a empresa Ornilux adotou padrão para o desenho do material refletivo.

4. Já existe alguma legislação que determine que as construtoras tenham cuidados especiais neste sentido?
R: Não que nós saibamos. Estamos trabalhando nisso, recentemente após a divulgação do nosso projeto, fomos convidados para participar de uma audiência pública promovida na Câmara Municipal de Curitiba que debateu medidas que podem evitar que aves colidam com vidros. Como resultado tivemos visibilidade e a possibilidade de vereadores protocolarem projetos de lei para mobilizar a população. O encontro foi  promovido pela vereadora Kátia Dittrich (SD) e teve como base a nossa pesquisa.
http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=27809#&panel1-1
 
5. Este tipo de acidente de uma ave se chocar contra um vidro é comum no mundo inteiro?
R: Sim, onde há vidros transparentes e aves os acidentes podem acontecer.
 
6. Qual é o grau de capacidade de uma ave de perceber que existe algo que não a permite adentrar em um espaço ou ela não consegue nunca detectar a existência de um vidro?
R: A presença do vidro como obstáculo artificial foi muito recentemente introduzida pelo homem no meio ambiente. Os animais domésticos dentro de casa levam um tempo relativamente grande para aprender a lidar com esta estrutura e reconhecer o vidro como obstáculo físico. Mesmo os seres humanos, responsáveis pela invenção do vidro artificial, muitas vezes não identificam vitrines e portas de vidro e sofrem acidentes, que geralmente não são fatais (https://www.youtube.com/watch?v=Xu3rSEKyPgc). As aves enxergam muito bem e possuem adaptações evolutivas que são únicas e muito eficientes. Mais do que enxergar ou não, o problema é de reconhecer e entender a presença daquele material, ou seja, trata-se de um problema cognitivo, uma vez que as aves na verdade enxergam muito bem, inclusive em espectros luminosos que são invisíveis aos seres humanos e outros animais.
 
7. Todas as espécies de aves podem sofrer estes choques com vidros ou existem espécies que não sofrem com este fato?
R: Todas as espécies que voam podem sofrer este tipo de acidente de forma fatal. Obviamente as aves que não voam, como Ema, Avestruz, Kiwi, Causar, Pinguin também podem sofrer este tipo de acidente, mas de uma forma mais branda. Ou ainda em decorrência do reflexo podem “brigar” com sua própria imagem refletida, trazendo muito estresse o que seria prejudicial a saúde da ave.  Dentre as aves que voam nosso projeto já demonstrou que algumas aves apresentam uma tendência maior a sofrer com este tipo de acidente. As vítimas mais comuns deste tipo de acidente são as aves migratórias, do sexo masculino e com uma tendência indivíduos mais jovens. Também aquelas que costumam voar em matas fechadas entre os espaços de árvores.

8. Mais Informações sobre o tema?
R: Muitas informações são disponíveis no site oficial do projeto: http://www.prppg.ufpr.br/entreavidaeovidro/
Também há muitos posts educativos no Facebook: https://www.facebook.com/entreavidaeovidro/
Por último: um artigo que publicamos na revista Clínica Veterinária (começa na página 31):
https://issuu.com/clinicavet/docs/clinica-veterinaria-127
Venda dos adesivos:
Ao todo, foram confeccionados mais de 10 mil decalques (adesivos) que estão à venda
em todas as unidades da DrogAVET.
O produto custa a partir de R$ 3,50.
Hoje, a DrogaVET tem 38 unidades divididas no Sudeste, Sul, Nordeste e
Centro-oeste e toda a rede tem o adesivo para venda.

Fabiano Montiani-Ferreira graduou-se em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Paraná (1994), concluiu mestrado em Ciências Veterinárias também pela Universidade Federal do Paraná (1998) tendo como orientador o Prof. Pedro R. Werner e doutorado (PhD) em Medicina Comparativa - Comparative Medicine and Integrative Biology - pela Michigan State University (2003) tendo como orientador o Prof. Simon Petersen-Jones. Adicionalmente cursou o - Senior Veterinary Student Program no The Animal Medical Center - em New York, NY (1993) tendo como orientadora a Dra. Susan Kirshner e o consagrado - Magrane's Basic Science Course do ACVO - em Wisconsin - Madison (1998). Tem experiência na área de Medicina Veterinária, com ênfase em Oftalmologia Veterinária. Já concluiu a orientação de muitos alunos de Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado. Além da orientação dos residentes do Programa de Oftalmologia do HV-UFPR.

Gabrielle Adad Fornazari possui Graduação em Medicina Veterinária pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2011). Pós-Graduação em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais pela Equalis (2013). Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias (PPGCV) da Universidade Federal do Paraná (2015). Atualmente é doutoranda do PPGCV-UFPR. Autora de publicações no Brasil e no exterior, atualmente atua na área de clínica médica de animais de companhia e pesquisa com ênfase em aves domésticas e selvagens. Gabrielle também trabalha como responsável técnica e na área de Logística e Marketing de cursos Equalis.

Editor: Sergio Valério
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