O Brinquedo - Jornal Animal

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O Brinquedo

Colecionador > Página 6
Sergio Valério
 
“Eu me lembro muito bem daquele dia. Andava pelas ruas, como sempre, afinal de contas eu era um animal de rua e vivia dos restos que eu encontrava nos lixos da cidade.
Acho que uma boa parte das pessoas não gostava de mim porque eu não tinha quem me desse banho, quem tratasse de mim e por isso a minha aparência para elas era feia.
Algumas pessoas bondosas me davam o que comer, certa vez um homem dividiu o seu lanche comigo, uma senhora me deu restos de bolo, uma menina me deu até um sorvete, certa vez.
Eu não escolhia, o que me dessem, eu comia.
Talvez até já estivesse acostumado com essa vida e por isso mesmo achei estranho quando aquele homem fez sinal para eu ir até ele.
Ele me deu o que comer e passou a mão na minha cabeça.
Eu não acreditei! Alguém tinha tido a coragem de passar a mão em minha cabeça!
Fiquei feliz demais, me senti no melhor momento da minha vida.
O homem me fez entrar em uma casa e fiquei ali por vários dias. O homem tinha amigos e todos me tratavam muito bem. Era como se eu estivesse realizando o sonho de ter uma verdadeira família.
Eles cuidaram de mim e me trataram muito bem! Até me deram uma coleira!
Minha vida havia se transformado para melhor completamente, até que...
Naquela manhã, os amigos do meu dono estavam agitados! Todos falavam ao mesmo tempo e olhavam sempre para mim...
Foi então que o meu dono trouxe de dentro da casa alguma coisa que eu achei que era alguma coisa  que ele iria dar para mim. Eu me lembro que ele pegava com muito cuidado aquilo que parecia um brinquedo.Todos olhavam atentamente para o tal brinquedo e para mim.
O meu dono veio em minha direção, passou a mão em minha cabeça como ele sempre fazia e segurou em minha coleira.
Um outro homem lhe deu o tal brinquedo e meu dono o prendeu em minha coleira.
Ele se despediu dos seus amigos, deixando-os em casa e eu me lembro como eu saí de lá, latindo, muito feliz por ir passear com o meu dono.
Andamos algumas quadras e aí ele me falou aquela palavra que eu entendia que era para eu me sentar. Mais uma vez ele passou a mão em minha cabeça e fez um sinal que eu entendia muito bem. Era para eu me deitar e ficar parado até ele me falar uma outra palavra.
Eu adorava brincar com ele disso. Ele me mandava deitar, eu deitava. Depois, ele me mandava levantar eu levantava e ia correndo até ele.
Mas, achei estranho porque naquele momento que ele me fez deitar, além de passar a mão na minha cabeça, ele encostou a mão naquele objeto, naquele brinquedo que estava preso em minha coleira e foi aí que eu ouvi um CLIC.
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Não consigo precisar quanto tempo levou, eu só sei que depois daquele CLIC, alguns instantes depois, aquele brinquedo que estava em minha coleira...EXPLODIU!
Não vi e nem ouvi mais nada.
Não sei quanto tempo depois eu parecia muito leve, todo o peso da minha vida sofrida havia desaparecido. Os dias ao lado do meu dono haviam sido maravilhosos, eu jamais poderia esquecer.
Eu não sentia nem mais o meu corpo e minhas patas pareciam estar pisando em nuvens em direção ao céu.
Tenho muita saudade do meu dono. Até hoje eu ainda espero que ele diga aquela palavra de comando para que eu possa acordar e ir correndo até ele”.
O Fato: No dia 26 de novembro de 2004, em Caxemira uma granada explodiu, deixando feridas quatro pessoas e matando o cachorro que a carregava presa à sua coleira. A explosão aconteceu próxima a um quartel indiano, que era motivo de disputa entre paquistaneses e indianos. Não foi a primeira vez que um animal havia sido utilizado em ataques terroristas, em 2000 dois soldados morreram através de uma explosão provocada por uma bomba colocada em uma mula.
 
Editor: Sergio Valério
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